sexta-feira, 28 de março de 2014

A era da espionagem nerd

James Bond, até mais! Os agentes secretos do século 21 não usam carros anfíbios nem se infiltram em países inimigos. Conseguem mudar os rumos do mundo sem sair da frente do computador
 

 Leandro Narloch

Você já deve ter ouvido falar do escândalo que abalou climatalogistas de todo o mundo em novembro de 2009, dias antes da Conferência do Clima de Copenhague. Um hacker invadiu os servidores da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, e liberou 2 mil documentos e cerca de mil emails de pesquisadores - precisamente os pesquisadores que fornecem dados sobre o aumento da temperatura média do planeta. Os emails deixaram a equipe da universidade inglesa cheia de vergonha: eles mostram conversas em que os cientistas declaram usar artifícios para exagerar as estatísticas do aquecimento global. O "Climategate", como o escândalo ficou conhecido, roubou a credibilidade das pesquisas climáticas, colaborando para o fracasso do acordo na Dinamarca.

Passado o escândalo, veio a suspeita: será que a invasão foi brincadeira de um hacker amador ou fruto de uma operação de espionagem internacional? Dois dias após o ataque à rede da universidade, os documentos apareceram pela primeira vez na internet, por meio de um upload de um computador com endereço registrado em Tomsk, na Rússia. Dias depois, um endereço da Arábia Saudita postou um comentário sobre o conteúdo das mensagens no blog The Air Vent, que reúne céticos da mudança climática. Rússia e Arábia Saudita são os dois líderes da produção de petróleo, um dos materiais que mais contribuem para o efeito estufa. Muitos russos acreditam que o aquecimento global é benéfico, já que grande parte de seu território está em terras congeladas, incluindo Tomsk. "Um nerd causa muitos problemas, mas só uma operação secreta sofisticada é capaz de juntar tantos resultados como nesse caso", afirmou ao jornal The Independent o cientista David King, ex-cientista-chefe do governo britânico.

Não dá pra ter certeza que a invasão dos servidores foi mesmo obra de uma operação profissional, mas o caso mostra a importância dos hackers para os rumos da diplomacia internacional nos dias de hoje. Esqueça James Bond, seu carisma, suas armas e carros anfíbios. Os espiões do século 21 não pulam de helicópteros e sequer sabem atirar. Na verdade, mal saem da poltrona: são nerds capazes de invadir redes à distância, roubar senhas e documentos virtuais. Com toques cotidianos no mouse e no teclado, acabam tendo mais poder que um bom número de perigosos espiões da Guerra Fria.

Para entrar nessa nova era da espionagem, as agências estão contratando até hackers que cometiam crimes virtuais. Em fevereiro, amigos de Albert Gonzalez, um rapaz de 29 anos que acessou dados de 170 milhões de contas bancárias nos EUA, disseram que ele ganhou 75 mil dólares da CIA para denunciar... hackers que invadiam contas bancárias.


A vida dos agentes secretos, de um lado, ficou muito mais fácil. Não precisam mais arranjar disfarces, ganhar a confiança de funcionários de governos inimigos ou arriscar a vida para obter informações. "Hoje, para descobrir segredos militares, econômicos ou políticos de outro país, é muito mais frutífero se concentrar na tecnologia de informação do inimigo que roubar pedaços de papel", diz Robert Wallace, que durante três décadas atuou no departamento de tecnologia da CIA, no livro Spycraft, sem edição brasileira. "Graças à tecnologia digital, os ataques clandestinos a redes inimigas podem ser conduzidos à distância, de qualquer lugar do planeta." De quebra, a internet tornou inúteis vários departamentos das agências de inteligência. Tome, por exemplo, os laboratórios de aparatos hi-tech para esconder informações ou transmitir mensagens dos espiões a seus chefes. Há 30 anos, para se comunicar com os chefes, um agente secreto tinha de criar um código, microfilmar a mensagem, inserir o pequeno filme entre um selo ou no meio de um cartão postal e torcer para que a mensagem não fosse interceptada pelo governo inimigo. Hoje, um simples SMS em código dá o recado.

Para os espiões que ajudavam a manter ditaduras, a vigilância aos cidadão mudou-se para a internet. O melhor exemplo é a China, cujos agentes invadem o sistema do Google para bisbilhotar contas do Gmail de ativistas políticos. Em março, o Google mudou a sede para Hong Kong em protesto pelas frequentes invasões que a polícia secreta chinesa faz em seu site. A fúria de espionagem da China vai mais longe. Um relatório do governo dos EUA mostrou que o governo chinês já invadiu 35 grandes sites internacionais, tendo até mesmo acesso a emails de presidentes. Em 2009, uma investigação da Universidade de Toronto concluiu que espiões virtuais invadiram computadores de governos, embaixadas, ONGs e jornais de 103 países. Espionagem chinesa? Talvez.

Claro que os espiões também se deram mal com as novas tecnologias. Basta entrar no YouTube, por exemplo, para ver as cenas gravadas pelas câmeras de segurança do hotel de Dubai onde agentes do Mossad executaram, em janeiro, o terrorista Mahmoud al-Mabhouh (leia mais sobre o crime na pág. 28). Para seguir praticando execuções como essa, os agentes agora precisam se preocupar com a miríade de tecnologias de segurança ao seu redor, usando todo tipo de disfarce para esconder o rosto. Contra o avanço das modernas tecnologias, a boa e velha peruca segue eficaz.






Balchant 







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